O significado e a história por trás de Clancy, novo álbum do Twenty One Pilots

So few. So proud. So emotional. Dos menores clubes de Ohio para arenas de todo o mundo, emoções tão íntimas se tornaram coletivas através da música e para muito além dela. Ao longo dessa última década, o duo formado por Tyler Joseph e Josh Dun tem reunido uma legião de fãs e uma caminhada virtuosa na Indústria da Música jamais vista antes. Agora, em seu sétimo álbum, Clancy, Twenty One Pilots dá um último capítulo à saga alegórica iniciada em seus primeiros trabalhos, mas que ganhou forma oficialmente no icônico disco Blurryface, pelo qual a banda ganhou os olhos do mainstream quase dez anos atrás.

Este é, sem dúvidas, um passo muito aguardado e desafiador a ser dado, mas o resultado é sublime, nostálgico e afetivo do início ao fim. Ao mesmo tempo que o álbum resgata referências de trabalhos anteriores, ele também tem o importante trabalho de consolidar essa narrativa de forma transgressora e única. É um disco que veio para fazer história, desde seus detalhes mais sensíveis aos toques mais grandiosos. Tudo parece estar na medida certa para fazer deste disco um marco muito importante para a carreira da banda e para o universo fictício de Dema.

Os navegantes de primeira viagem devem estar se perguntando: "mas o que é Dema?". Bom, este é o lugar onde toda a trama conceitual tem sido ambientada para o grande final narrado em Clancy. Recomendamos, inclusive, a dar uma conferida em nossas reviews dos álbuns Trench Scaled and Icy. Mas claro que a função desta matéria também é explicar brevemente essa jornada cheia de reviravoltas, de seu início até aqui.

Explicando o universo de Dema

A história gira em torno do protagonista Clancy, alter ego de Tyler Joseph. Ele reside na cidade sombria de Dema, localizada no continente de Trench. É um lugar cercado por muros e governado por Nico, ou Blurryface, como ele era chamado antes de ter sua identidade oficialmente revelada no álbum Trench

Este líder antagonista é a personificação da ansiedade, insegurança e doenças mentais. E, através da religião do Vialismo, ele e alguns bispos se juntaram controlar e levar os moradores de Trench à autodestruição. Assim que essas pessoas perdem a cabeça para eles, os bispos fazem a possessão desses corpos, podendo controlá-los da forma que quiserem e atrair mais moradores de forma persuasiva.

Em certo momento, Clancy engana os bispos fazendo com que eles o capturem e o levem para uma ilha além das fronteiras de Trench, que era justamente onde queria ir. Com isso, os Banditos, um grupo de pessoas que também estão contra essa ditadura, ficam sabendo e unem forças para libertar Clancy. Vale ressaltar, que nesse grupo está o Torchbearer, alter ego de Josh Dun. Músicas que ilustram bem esse arco são "Jumpsuit", "Nico and the Niners" e "Levitate".

Clancy e os Banditos juntam-se para uma rebelião, porém Clancy é encontrado e preso novamente pelos bispos. Durante esse tempo, os bispos se aproveitam da influência do protagonista, usando-o e o obrigando a escrever músicas propagandas que são mentiras apenas para entreter os demais cidadãos através de uma arte distópica que ganhou forma no álbum Scaled and Icy, algo que também pode ser um paralelo de como o mercado da música pode ser traiçoeiro atualmente. Com uma estética colorida somada a músicas mais óbvias, leves e felizes, este disco é, teoricamente, um produto para alienação e lavagem cerebral, feito sob supervisão de Nico e seus súditos.

Eventualmente, ele consegue se libertar e acaba chegando nas margens da Ilha Voldsøy (traduzindo, a ilha violenta). Lá ele é concedido o mesmo poder místico dos Bispos, o motivando ainda mais para que, agora mais forte do que nunca, retorne a Dema e liberte a cidade de uma vez por todas nesse capítulo final narrado no novo disco, Clancy. Depois de tantos easter eggs deixados em cartas e códigos escondidos em sites, versos de músicas e outras pistas misteriosas, finalmente a história ganha um desfecho. Ou será que é apenas um recomeço?

Clancy: o capítulo final?

Neste novo projeto, Twenty One Pilots revisita o que sabe fazer de melhor musicalmente, transformando este disco em uma grande celebração musical às construções anteriores. "Overcompensate", a faixa de abertura, já dá tom à obra como um verdadeiro grito de guerra aos que vão e aos que ficam nessa aventura final. Após exclamar "sejam bem-vindos de volta à Trench", a banda reproduz versos da música "Bandito", do Trench, e ecoa o mantra "Sahlo Folina", um chamado que significa encontrar força e criatividade em meio ao caos. Depois da libertação no fim de Scaled and Icy, as chamas dos olhos de Clancy clamam por revolução. 


Para essa jornada ser concluída, lembranças do que levaram Tyler até este mundo vêm à tona. É uma viagem completa no tempo. No punk rock épico de "Next Semester", passados sombrios são desenterrados, mergulhando lá na época da faculdade, quando ainda estava encontrando seu lugar e identidade, cometendo erros e tentando aprender com os mesmos para não fracassar no futuro.  A faixa é um dos grandes destaques do disco e passeia por uma sonoridade angustiante, mas muito dançante. 

O medo de recair também aparece ao longo do álbum. Como um grito de socorro, "Backslide" é afiada e crua em suas batidas e palavras. Traz melodias fortes no refrão, enquanto Tyler canta sobre a preocupação com esse ciclo de vícios e recaídas que o assombra. "Porque eu sinto a correnteza, a água está sobre minha cabeça. Força suficiente para mais uma vez. Segure minha mão sobre a maré", canta ele no refrão. Mais tarde na etérea "Snapback", ele faz referência à música e narra um episódio de recaída, dessa vez em um tom mais doloroso, equilibrando a dualidade entre vocais angelicais com soul e falas mais secas. E, dentro desse tema, a atmosfera ácida, sinistra e despojada de "Routines In The Night" desenha todo um cenário de insônia e pensamentos ruins que acontecem no labirinto na mente do personagem. Essa faixa parece ter saído diretamente do Blurryface, trazendo alguns dos elementos mais característicos da banda. Acertaram em cheio.

Como fã, é muito prazeroso acompanhar cada momento dessa história, mesmo quando ela não está ao lado do herói. Quando Twenty One Pilots torna suas dores, fracassos e inseguranças tão palpáveis na arte, cria-se uma onda de conexão e esperança indestrutível. Se não fosse por canções que abrem feridas, jamais teríamos outros tesouros iluminando os próximos passos da narrativa. "Midwest Indigo" é uma peça chave para estabelecer este clima. Piano, sintetizadores e bateria dançam juntos a um som que parece ter sido fruto de um casamento entre Vessel e Scaled and Icy. O contraste entre versos melancólicos e as melodias solares dá um tom animado de harmonia e perseverança.

Essa sede de superação brilha também em faixas mais viscerais como "Vignette" e "Navigating". A primeira é uma produção gloriosa e urgente que mescla sons dos clássicos abutres de Trench ao fundo, batidas muito marcantes e mais rasgadas. Com vocais hipnotizantes, Tyler canta sobre sua batalha com a sombra de Blurryface, mas com a força de querer superá-lo em homenagem a todos que cederam ao Vialismo. E mesmo se sentindo sem rumo às vezes, Tyler parece encontrar foco na batalha central com a exuberante e enérgica "Navigating", que é conduzida pela bateria acelerada de Josh Dun. A espiral de idas e vindas de sua mente é ainda o centro das atenções, porém a ferocidade musical inevitavelmente elucida um lado persistente de Clancy.


No meio de toda jornada, a mente de Tyler vai para lugares inusitados, que é o caso de "Lavish". Mesmo sendo longe de ser uma das favoritas, é um momento de descontração muito bem humorado com versos de rap inusitados sobre ser novo na Indústria da Música e agir com naturalidade no meio de toda banalidade luxuosa que vem com a fama. Divertida e extravagante, a música dá um alívio cômico e um tom de autoconfiança ao disco.

Em meio a tanta tensão que o disco se propõe, "The Craving (Jenna's Version)" vem como um respiro muito necessário ao disco. Vocais vulneráveis, melodias do ukulele e versos sobre um amor ingênuo fazem a tragédia ganhar uma luz muito significativa. Em sua caminhada para a revolução, Tyler/Clancy relembra de vários altos e baixos de sua vida, desde a faculdade até o estrelato, e esta linda homenagem à sua esposa não poderia faltar, dando sequência a canções como "Tear in My Heart", "Smithereens" e "Formidable". Aqui a rouquidão de sua voz com e a produção minimalista torna algo tão simples em uma performance extraordinária e tocante.

E, na mesma linha da anterior, a comovente "Oldies Station" promete conquistar os fãs de longa data que tem acompanhado essa batalha de Clancy e Blurryface desde o início. Com alguns dos versos mais maduros até hoje, a faixa reflete a perspectiva mais positiva da vida que vem com a idade, mesmo diante de tantas idas e vindas. "Quando a escuridão cair sobre você, siga em frente", exclama Tyler no refrão. Uma verdadeira preciosidade para a discografia da banda. Nessa altura, já estamos na reta final e a seguinte "At The Risk of Feeling Dumb" pode parecer um pouco desconexa a primeira ouvida, mas, de certa forma, ainda traz uma mensagem encorajadora, só que com um ritmo mais frenético e repetitivo. Uma faixa alegre musicalmente, mas que trata de uma mensagem profunda sobre apoio de amizades nos momentos mais desafiadores da saúde mental. Foram grandes impactos até aqui, mas nada nos prepara para o que está por vir.

Como de costume nos capítulos finais de cada álbum, "Paladin Strait" é a catarse de toda a obra. Mais que isso, ela é a grande conclusão de uma era que faz o coração bater mais forte. Com seis minutos e meio, a música nos conduz por uma jornada intensa e teatral com belos acordes acústicos e produção medieval que servem de cenário para o aguardado encontro de Clancy com Nico. Durante a faixa, vocais cristalinos de Tyler direcionam suas palavras para o que entende-se ser os Banditos ou o próprio Nico: "Eu não posso ficar sozinho/Acho que nunca te contei isso/Fazendo meu caminho em direção a você" e "Eu nadaria no Estreito de Paladin/Sem nenhuma boia/Apenas um vislumbre de uma visão sua na outra costa/Esperando, com a expectativa de que eu vá conseguir".


São declarações fortes sobre submissão e perda que fazem dessa canção uma explosão de sentimentos que contrasta entre o nervosismos e a calmaria. Mais tarde, somos surpreendidos com momentos mais tranquilos com cantos de pássaros e surge a sensação de que algo grande está por vir. Ao fim, Tyler reaparece mencionando a batalha final de Nico, bispos e Banditos até que o suspense atinge seu ápice quando uma porta se abre brutalmente e a voz grave que nos acompanha desde o disco Blurryface exclama: "Tão pouco. Tão orgulhoso. Tão emotivo. Olá, Clancy.". São adjetivos icônicos que também aparecem na canção "Fairly Local", de 2015: "O mundo ao nosso redor está queimando, mas estamos com tanto frio. Somos poucos, os orgulhosos e os emotivos”. São também três adjetivos que falam muito sobre a própria base de fãs do Twenty One Pilots e os Banditos da narrativa: começaram como um pequeno grupo, exaltam suas emoções e se orgulham das mesmas através da música. Foi um toque genial para encerrar o arco.

Porém, vocês devem se perguntar: mas o que aconteceu com Clancy? Ele venceu os bispos e o temido Nico? "Paladin Strait"abre um leque de interpretações sobre o destino do protagonista, o que levou os fãs à loucura com várias teorias. Talvez saberemos a reposta oficial com o clipe esperado para início de junho ou talvez com um álbum continuação que muito é especulado pelas redes.

Entre as várias perspectivas, há a suposição de que esse final tenha sido o simbolismo de quando você sente que está pronto para superar a depressão e, de surpresa, retrocede para uma recaída, o que seria a derrota de Clancy. Acreditam-se nisso também por conta desses três adjetivos em inglês (Few, Proud e Emotional) terem as iniciais FPE, muito usadas nas cartas de Clancy e códigos do site ao longo dos anos para descrever Failed Perimeter Escape (em português, tentativa falha de fuga). É uma frase usada para todas as tentativas de fugir de Dema e que não dão certo. Com isso, como Clancy já estava com um poder maior que o normal, há quem diga que ele tenha até sido tão consumido pelas sombras e tornou-se o próprio novo Blurryface ou um dos bispos.

Por outro lado, há também quem acredite que ele conseguiu vencer Nico, por mais que não há tantos indícios. Uma interpretação também positiva, mas que talvez faça mais sentido é Clancy tornando-se protagonista de sua própria história, aceitando Blurryface como parte de si. Em vários momentos do álbum, Tyler relembra de alguma insegurança ou vulnerabilidade e parece que, sabendo ou não, já estava caminhando para essa jornada de aceitação do antagonista como parte de si, e não de derrota do mesmo.

Diferente de outras sagas, não há um veredito final, por isso fica a questão: "Hello Clancy" soa como um final para você? Para mim e milhões de fãs, definitivamente não. Essa história é um ciclo que será revivido e ressignificado por toda eternidade com personagens, motivações e épocas diferentes, mas com a mesma essência. Em meio a versões e olhares múltiplos, uma certeza sólida permanece: Os personagens, a trama e os álbuns são atemporais e vão muito além do convencional. Não é o fim e nunca será.

Um comentário:

  1. MUITO OBRIGADA POR ESSA HOMENAGEM MARAVILHOSA AOS ICONES
    Um texto tão bem feito que como fã me emocionei, parabéns!

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