Exteriorizando sua juventude selvagem, AURORA se refaz com o seu mais novo álbum

Despertando a raiva jovem dentro de si, AURORA capricha em um álbum crítico e chamativo trazendo à tona sinceros sentimentos sobre o mundo. A norueguesa trouxe onze inéditas para seu terceiro e mais novo álbum A Different Kind of Human (Step II).

O novo trabalho é sucessor do lançamento surpresa do ano passado Infections of a Different Kind (Step I), que falava muito sobre um eu interior. O objetivo individualista do Step I foi exatamente integrar ao atual numa conexão interior-exterior da visão a qual AURORA pretende passar. Vou explicar melhor falando primeiramente do Step I e do porquê chamei ele propositalmente de individualista.


Bem, para começar, do visual desde a capa vemos que AURORA aponta para si mesma em que as pinturas no rosto representam as marcas de riso e de choro. Ok, isso pode não significar muito agora, mas aí seguem as letras um tanto quanto honestas e brutas sobre um eu autoexplicativo e poético que ela criou. Como a própria cantora disse, é um álbum que fala sobre se conectar com as próprias emoções e aceitar tudo o que somos. Uma forma de conviver com os próprios demônios, de entender o próprio riso, o próprio choro... enfim, se auto-conhecer e entender o que somos por dentro. Considero aqui aquela questão de "precisamos olhar para dentro de nós para depois entender tudo aquilo que nos rodeia". 
"Há uma compreensão [no Step I] mais profunda de mim e do que quero dizer e faço do que no meu primeiro álbum. Está mais sintonizado na minha alma e com quem eu sou. É sobre os muitos e muitos aspectos diferentes do que é ser humano. Abrange a maneira como nos machucamos e amamos e a maneira como somos tão bonitos, mas também tão medonhos." - diz AURORA
 A Different Kind of Human (Step II), em contrapartida, é um álbum que traz um olhar ao exterior (por isso suas mãos voltadas para fora dela desta vez), repleto de críticas e até ligado ao meio ambiente. Enquanto o primeiro foi gravado em paisagens e um ambiente mais aberto, este foi o oposto, gravado em um ambiente íntimo e individual. Com tudo isso, os dois se conectaram como um grande quebra-cabeças que misturam cinzas e verdes vivos. 


O álbum já começa com a exata energia raivosa que a cantora quis passar. "The River" abre o compilado de um jeito único e parece uma explosão de dentro para fora, onde depositamos todo sentimento de liberdade em apenas uma música. Sentimento tal que é seguido por "Animal" - a calmaria barulhenta que traz à tona uma crítica arrepiante ao ser humano. A canção nos faz lembrar como a ganância e ambição acaba nos deixando cegos. E aqui se encaixa bem aquela citação que diz “o homem é o lobo do próprio homem”. Em ambas as citadas, a gente vê uma AURORA mais barulhenta e agitada. Como ela mesma havia dito que queria explodir emoções nesse trabalho.

A sequência é com a inspiradora "Dance on the Moon", uma música um tanto quanto celestial. A dualidade que a cantora apresenta na canção é de como podemos ser tão mágicos, mas ao mesmo tempo tão pequenos. Mesmo com uma pegada mais introspectiva, ela ainda fala sobre algo mais externo como a passagem do tempo sobre nós. 

Já em "Daydreamer", o sentido celestial é tomado por um tipo de angústia, talvez indignação. O sentimento barulhento que a deixa inquieta é de como ela sozinha é muito pequena para mudar o mundo todo, mas ao mesmo tempo não se contenta com o mundo deixando tudo entediante e destruindo sonhos, quando ao invés de ter sonhos dormindo, devíamos lutar pelos nossos sonhos-ambições. E a explicação vem seguida por "Hunger", uma música recheada da raiva jovem que ela quis trazer. A voz que faz as palavras rastejarem com tantos sentimentos incrementa o instrumental transformado em energético ao longo da faixa que diz que apesar de diferentes, ainda temos a nossa fome. Apesar de avatares diferentes no mundo, sempre estamos buscando saciar nossa fome e sempre caindo nas mãos do nosso falho poder. A intensidade da letra explicita de um belo jeito crítico a visão dela sobre a humanidade - faminta por poder, esquecida dos sonhos.


Na continuidade vem "Soulless Creatures" que fala um pouco sobre a fé da cantora quanto à humanidade, como mesmo depois de destroçada, ainda tem um pouco para acreditar.  Enquanto "In Bottles" parece um retrato da relação dela com a humanidade e como isso a faz se armazenar mais e mais a coisas dentro dela - ou também uma boa interpretação que remete a uma canção mais antiga ("In Boxes") que usava metáforas de uma mulher que matava pessoas e as guardava em caixas. Os jogos de palavras da cantora nos faz viajar universos de interpretações e isso nunca mudou nela.

A faixa que nomeou o álbum é mais uma visão de AURORA sendo jogada para fora. "A Different Kind of Human" mostra como seria uma experiência após a morte. A oitava música é conectada com a oitava do Step I, que fala justamente sobre a morte. O início dessa é como uma realidade alienígena contemplando a mais nova resgatada ali. Além disso, a canção vai muito depois do ideal de uma experiência após a morte, a inteligencia da composição foi tamanha que ela tem uma linguagem própria que usa ômega, a última letra do alfabeto grego que simboliza o fim de algo. O simbolismo é tanto que ela criou um novo cenário desde músicas do álbum anterior.
"É um novo lugar que eu criei […] e se essas pessoas [os mortos] vieram para um planeta diferente, como um lugar seguro, e eles foram coletados por esses alienígenas que vieram ao mundo e meio que os levaram com eles, e eles disseram: 'Não tenha medo, você está bem , você pode vir conosco e você estará segura, você passou um tempo neste planeta, mas não é o lugar para você, você tem um lugar melhor onde você vai se sentir mais em casa, vamos levá-lo até lá'. E então, eles vão até este lugar diferente onde todas essas pessoas podem viver juntas." - diz AURORA


Das três últimas, "Apple Tree" é curiosa, primeiramente pelas inspirações sonoras - que inclui o Olodum como inspiração (assumido pela própria depois de uma passagem por Salvador). E também, é a música onde começa uma parte mais revolucionária do álbum em que ela conta que acredita na esperança de podermos salvar o mundo.

"The Seed" (a minha favorita) é uma música de enorme valor sentimental que mistura angústia, raiva e brutalidade. A crítica é grande quanto ao nosso meio ambiente e jeito de viver e ela diz que depois que a última árvore for cortada, o último peixe for capturado e último rio secar, nós veremos que não podemos comer dinheiro. A fome por poder mostra quão fracos somos quando não percebemos o que o mundo pode nos oferecer - uma humanidade corrompida pela ganância.

"Estou sentindo falta de raiva na juventude. Não a raiva cega, apontada para tudo e nada. Mas o tipo de raiva que te acorda de manhã, o tipo de raiva que te inspira a fazer algo com o poder que você tem em você. Então eu fiz uma música." - diz AURORA

Por fim, o magnífico álbum fecha com "Mothership" que parece um suspiro de alívio, como uma continuidade para a oitava faixa dizendo que agora ela está em casa. O fim de uma nova era em que AURORA pôde mostrar ambas suas visões interna e externa e sentimentalizar poeticamente cada parte de si.

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