O importante universo criado por Twenty One Pilots em "Trench"

Depois do sucesso estrondoso de Blurryface, Twenty One Pilots está de volta com seu mais novo disco, Trench. É um novo universo, um novo conceito, com a mesma qualidade de sempre, porém dessa vez de forma ainda mais coesa. O duo de Ohio traz um trabalho influente, reflexivo, impactante e excepcionalmente singular.

Não há dúvidas que a era Blurryface foi o ápice da carreira de Twenty One Pilots. Todas as faixas do álbum receberam, no mínimo, um certificado de platina, e outras foram até ouro ou multi-platina. Foi aí que a banda realmente estourou em um nível mainstream. Foi aí que Tyler Joseph e Josh Dun ganharam os fãs fiéis que possuem hoje. Shows sold out por todo o mundo. Diversos prêmios, incluindo até um Grammy. O equilíbrio entre sucesso criativo e comercial foi a grande chave para essa era que estará sempre em nossos corações. 

Com o fim dela, porém, logo os meninos entraram em um hiato por tempo indefinido. Suas redes sociais foram todas escurecidas e dominadas por um olho que se fechava, acompanhado da frase “and now I just sit in silence”, de “Car Radio”. Mas não demorou muito: um ano depois, ainda de um jeito misterioso e muito bem escondido, a banda começou a liberar pistas de que estava voltando. 


Através de um site, os fãs começaram a descobrir mensagens um tanto quanto enigmáticas, tudo isso junto a links escondidos e cartas abertas feitas por um personagem chamado Clancy, que referenciava alguns bispos, banditos, abutres e várias tentativas de fuga. Mal sabíamos nós que estávamos sendo introduzidos ao universo de DEMA, local onde se passa toda a história de Trench, junto a todo o conceito que o mesmo carrega. 

Mas o que seria esse mundo paralelo? Bem, o novo universo é como uma extensão do personagem Blurryface, figura principal do último álbum que representa as inseguranças de Tyler Joseph. Tudo se passa em DEMA, um lugar, físico ou psicológico, onde Tyler - ou melhor, Clancy, seu novo alter ego - se vê aprisionado sob controle de suas inseguranças. E, como o próprio nome do álbum (em português: “trincheira”) sugere, dessa vez Tyler tenta inúmeras tentativas para sair desse estado. Em Blurryface, conhecemos o interior de Tyler, mas agora em Trench, o vemos trabalhando intensamente para superar os obstáculos de sua mente e atingir um nível de paz. 

Para isso, ele precisa confrontar os grandes vilões que estão no poder: os nove bispos que querem ter mais controle sobre as inseguranças de Tyler, sendo o líder desse grupo Nicolas Bourbaki, mais conhecido como Nico. Para combatê-lo, o personagem de Tyler precisa se juntar aos Banditos, o grupo de pessoas que apoiam o Tyler em sua vida, incluindo seus amigos, família e fãs. Em meio a abutres famintos e uma adrenalina inacabável, nasceu assim Trench, um álbum poderoso cheio de significados.


“Eu queria criar um mundo em que eu pudesse controlar as forças exteriores à mim, e isso me mostrou a importância de encontrar refúgio em um processo criativo como esse… na vida real, eu não consigo fazer o mesmo” - Tyler Joseph

Agora que todos nós conseguimos entender um pouco do álbum, é hora de mergulhar nessa obra de arte. Começamos, então, com “Jumpsuit”, o carro-chefe explosivo do disco. Com riffs marcantes e a bateria acelerada, não teria forma mais épica e intensa de começar o trabalho. Tyler canta sobre como suas inseguranças tão o sufocando, e como ele mesmo vem tentando fugir de DEMA, repetindo durante a música os versos em que menciona vestir um macacão, supostamente dos banditos. As ruínas dessa música abrem alas para “Levitate”, uma música feroz, rápida que expõe os rap skills de Tyler Joseph, enquanto o mesmo fala de forma ardente e confiante o que passa para batalhar contra suas inseguranças.


Já em “Morph”, Tyler revela os tormentos e confusões da sua mente, através de um ritmo cheio de classe e swag. Com uma melodia que apresenta um charme jamais visto na discografia do duo, Tyler canta sobre seu mecanismo de defesa em se tornar em uma pessoa nova e melhor dia a dia para batalhar seus demônios. Com ela, o mesmo nos inspira a seguir em frente. A mesma temática persiste em “My Blood”, canção que também leva uma pegada Disco retrô bem dançante. Acompanhado de um instrumental iluminado, Tyler canta sobre se apoiar na sua família, ou até nele mesmo. É empoderador do começo ao fim. A canção dá vida às nossas forças.


Seguindo, agora com um instrumental muito marcado por atitude, o duo criou uma melodia extremamente contagiante em “Chlorine”, faixa que lembra o som de Bastille e Panic! At The Disco. A canção tem o vocalista dizendo que, como se sente sufocado em DEMA, ele tenta achar formas para se sentir livre e a criar batidas animadas é a saída na maioria das vezes, segundo ele. O Outro da música é espetacular, acompanhando violinos e um vocal bem emotivo que narra o cantor reconstruindo sua força. 

O momento mais pesado do álbum está, portanto, em “Neon Gravestones”. Em uma vibe meio Macklemore, com um piano doloroso, tem a banda criticando a sociedade que romantiza o suicídio e não o trata como algo sério enquanto ainda há tempo. A discussão sobre esses assuntos só vem à tona quando uma celebridade perde a vida à isso, com "túmulos de neon". É tudo sobre o espetáculo. Pegue os casos de Chester Bennington, Mac Miller, Chris Cornell e muitos outros. É com versos como “Our words are loud, but now I’m talking action” que Tyler Joseph joga a verdade bruta sobre o problema, chegando até, de forma bem pesada, deixar claro que não quer que ninguém fique de luto se o mesmo acontecer com ele. Pois é, chega a quebrar o coração.


Por outro lado, a banda nos mostra que nunca esteve tão confiante em faixas mais iluminadas e destemidas, como o reggae suave de “Cut My Lip”; o ritmo despojado de “Nico and the Niners”; a explosão instrumental de “The Hype” que nos faz viajar no tempo em uma das melhores canções do álbum. Porém os momentos mais sensíveis e de puro amor ficam por conta de “Smithereens” e “Legend”. A primeira tem um ritmo que lembra “House of Gold” e é uma faixa de amor dedicada a atual esposa de Tyler, Jenna Joseph. Já a segunda, com versos simples como “I look forward to having a lunch with you again”, fala sobre o avô de Tyler, que faleceu nesse ano, e o quanto ele era uma verdadeira lenda para o cantor. Essas duas faixas, aliás, são um dos momentos mais genuínos do disco.

Chegando mais ao fim, a banda se junta oficialmente ao exército de banditos e grita libertação. A construção de adrenalina na faixa “Bandito” é a grande prova disso. O ritmo crescente é como uma marcha em forma de música, que é banhada com muita harmonia. Já na colossal “Pet Cheetah”, o duo cria uma atmosfera como “Hometown”, no quesito de grandiosidade, porém com ritmo mais lento. A canção é a grande prova de que Twenty One Pilots é único na indústria. A produção viaja por batidas techno, versos de rap e um ar de pop rock apaixonante. É uma faixa muito sincera e crua, e é isso que faz dela tão especial. Destacando versos como “I want to stop time. I’ll sit here ‘til I find the problem”, a música representa uma fase de bloqueio criativo da dupla.


Mas parece que a banda saiu desse bloqueio criativo muito bem, e “Leave The City”, a faixa que encerra o disco, é a prova viva disso. Sendo ela sem dúvidas a canção mais inspirada do disco, é completamente guiada por vocais esfumaçados e um piano acolhedor. Dessa forma, Trench é encerrado com chave de ouro. 

Sobretudo, Twenty One Pilots é tudo o que a gente precisa nos dias de hoje. Com canções delicadas, agressivas, mas sempre muito verdadeiras, Trench representa a realidade de muitos jovens ao redor do globo que, mesmo não estando em DEMA sob o controle de nove bispos malígnos, estão certamente precisando de conforto e esperança. De forma sutil e uma criatividade impecável, o duo construiu um reinado claramente indomável, e isso fica claro nesse trabalho. Eles fizeram o suficiente para que milhões ao redor do mundo pudessem esquecer os problemas por um momento e cantar com calma versos tão especiais como “In time, I will leave the city. For now, I will stay alive”.

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