Referências, conceito e mais: o universo criado em “Post Human: Nex Gen”, novo álbum do Bring Me The Horizon

Quando o Bring Me The Horizon anuncia qualquer música nova, é natural que os fãs da banda criem expectativas e fiquem animados. Porém, com o álbum Post Human: Nex Gen, liberado na última sexta-feira (24) quase que de surpresa, o nível de ansiedade era muito maior do que o convencional.

Isso porque os britânicos vinham prometendo o projeto basicamente desde 2021, quando, em dezembro, saiu o primeiro single “Die4U”. Logo após, no ano seguinte, veio “Strangers” e, em 2023, “Lost”, “Amen” e “Darkside”, sob o compromisso de que a segunda parte do Post Human, sucessora do Survival Horror, chegaria no dia 15 de setembro.

Contudo, o agora quarteto adiou o lançamento porque queriam dedicar-se mais ao material. Pouco tempo depois, em dezembro, a saída do tecladista e produtor Jordan Fish, membro desde 2012 e peça fundamental na ascensão do BMTH ao mainstream, foi confirmada. Cada vez mais, o Nex Gen parecia distante.

Quem comprou o disco em pré-venda, recebeu o segundo semestre de 2024 como uma provável previsão. "Kool-Aid", single que viu a luz do dia em janeiro, acalmou um pouco os ânimos. Até que, para a alegria de todo mundo, a banda anunciou a chegada do Nex Gen, com 16 faixas, "antes do esperado" e simplesmente na véspera: 23 de maio.

Conceito

O conceito do Nex Gen bebe de muitas vertentes. A começar pelo nome: o título vem de uma expressão usada pela própria banda para designar os seguidores de Genxsis, um culto/igreja fictícia e cenário principal do disco.

Dentro do local, os “fiéis” claramente passam por uma “lavagem cerebral” e são manipulados por meio do programa científico YOUtopia, além de sofrerem batalhas internas, como depressão e vícios. Contudo, a impressão que fica é que, no projeto, a banda quer mostrar como escapar de todo esse contexto e, finalmente, libertar-se de tais amarras.

“Essa próxima parte se passa depois que o mundo está em uma espécie de estado pós-apocalíptico. Há centros de reabilitação para o planeta, e as pessoas estão todas amontoadas nesses santuários e todas compartilhando histórias sobre a culpa pelo que fizeram com o planeta e outras coisas", explicou o vocalista Oliver Sykes em entrevista à Dazed.

Uma personagem acaba sobressaindo-se em meio ao caos: E.V.E. Ao que tudo indica, a figura é parte da Genxsis e, no fim das contas, é uma “porta-voz”. Por isso, em diferentes formas, aparece nas intros dos shows, em vídeos de anúncio e mais. Aliás, em "A Bullet W- My Name On", há áudio "ao contrário" que, quando escutado da maneira correta, revela o nome de um doutor chamado Karl Strassman - com quem ela mantém uma certa relação de "negócios". 

E não para por aí. O BMTH também explorou uma estética voltada aos videogames - entre eles, “Resident Evil”, “Final Fantasy” e “Silent Hill”. Isso é perceptível tanto na contra-capa do Nex Gen, quanto nos teasers, pôsteres, lyric videos, símbolos e versões físicas, acompanhadas de um livreto especial chamado “game booklet”. Para completar, um site secreto com a mesma pegada foi descoberto (confira clicando aqui).


Por fim, a energia dos animes também se faz presente. As ilustrações dos cards das mídias físicas e os ícones de cada membro nas redes sociais, feitos pelo ilustrador Vinne, seguem o padrão dos desenhos.

Referências

Quando perguntado a respeito da sonoridade do Nex Gen lá em 2021, Oliver já havia destacado que, enquanto o Survival Horror teve influência sobretudo do nu-metal, a segunda fase seria “muito emo”:

“Entrei no rock através do nu-metal e do Linkin Park. Com emo e screamo e hardcore americano, bandas como Blood Brothers, Norma Jean e Glassjaw me deixaram completamente obcecado. Queríamos homenageá-las com este próximo disco. Fazê-lo parecer contemporâneo e moderno foi muito mais um desafio. Estávamos fazendo coisas que soavam como My Chemical Romance e bandas de vampiros emo. Levamos um tempo para acertar o equilíbrio até termos algo que parecesse emo, mas que fosse super contemporâneo. Tínhamos esse termo 'emo futurístico' em nossas cabeças, além de estarmos nos inspirando muito nesse estilo que está surgindo chamado 'hiper-pop'.”, contou para a NME.

E realmente, o vocalista fez jus à descrição. Dá para citar a presença de inúmeros elementos, como, por exemplo:
  • O riff de “Youtopia” soa similar à “Sing”, do Deaf Havana
  • “Limousine” não só lembra algo que o Deftones faria, mas, principalmente, o Moodring (especificamente a faixa “SYCH.wav”)
  • “N/a”, curiosamente, poderia ser parte de um álbum do MGK ou Yungblud, soando semelhante à “Kill Someboy” (que, por consequência, parece “Where Is My Mind?”, do Pixies)
  • Há uma menção direta de “who wants flowers when you're dead? nobody”, do This Is What the Edge of Your Seat Was Made For (2004), em “Youtopia”
  • “N/a” parece fazer referência à faixa “The Drug In Me Is You”, do Falling In Reverse, devido à frase “hi, my name's Oli and I'm an addict”. Ao mesmo tempo, pode apenas ter sido empregada como uma expressão usada em reabilitações/uma maneira de Sykes desabafar sobre seus vícios do passado
  • “R.i.p. (duskCOre Remix)”, aparentemente, usa o barulho do personagem Sans presente no jogo Undertale
  • “Top 10 Statues That Cried Blood” referencia “Black & Blue”, do álbum Count Your Blessings (2006)
  • O início de “[ost] spiritual” remete à “dark signs”, do Sleep Token
  • "Kool-Aid" cita uma frase de "ouch", presente no amo (2019)

Considerações gerais

Sem dúvida, Jordan Fish fez falta. Apesar de creditado em sete músicas, é visível quanto o trabalho do produtor e tecladista engrandecia a banda, principalmente quanto aos elementos eletrônicos - seja por suas produções cheias de camadas e detalhes, como pelos ímpetos de criatividade somados ao talento dos outros quatro integrantes. O próprio Oli, sem fornecer maiores informações, reconheceu que foi difícil continuar sem o antigo colega, em conversa com a BBC. Mas, ainda assim, os músicos conseguiram um ótimo resultado.

É louvável a maneira com que as músicas apresentam uma conexão. Exemplificando, a letra de “Amen”, por exemplo, é uma continuação direta de “R.i.p”, enquanto há uma transição impecável entre “Youtopia” e “Kool-Aid”. Ainda, “R.i.p” retoma uma frase de “A Bullet w/ My Name On”. Tudo soa amarradinho.

Também foi inteligente apostar em 16 faixas em vez do plano inicial de 10. Isso porque o público já conhecia seis delas e, dessa maneira, faltaria um atrativo maior. De qualquer forma, os três últimos singles “Amen”, “Darkside” e “Kool-Aid”, continuam os destaques do Nex Gen. Funcionam como o lado mais pesado e a quebra de expectativas. Tê-las ouvido apenas no contexto do álbum, e não como músicas avulsas, teria causado um impacto muito maior.

Diante do intervalo de mais de três anos entre o Survival Horror e o Nex Gen, é impossível não surgir uma preocupação com o futuro: dá mesmo para lançar mais outras duas partes do projeto, sem torná-lo massivo ou sem se perder no meio do caminho? Só o tempo dirá.

Mas, a cada era, o maior acerto do Bring Me The Horizon é se reinventar. Para um artista, cair na mesmice diante do sucesso, apesar de trazer certas vantagens, é perigoso. Ao longo dos anos, ficou claro que o BMTH não quer limitar-se aos gêneros musicais ou à sua própria bolha. Também é explícito que a banda não tem a intenção de voltar às raízes deathcore ou, de, até mesmo, criar um sucessor direto do Sempiternal (2013) ou That’s The Spirit (2015).

E é esse o diferencial. Há notavelmente uma preocupação do grupo quanto ao que entregam ao seu público, em todas as etapas. Não é à toa que atrasaram o projeto em mais de uma ocasião. Uma antiga postagem feita por Oli no Instagram mostrou que só “Kool-Aid” foi refeita ao menos 26 vezes.

A banda tem interesse em contar uma narrativa, em fornecer uma produção de qualidade, em entregar um material bem pensado e coeso, em experimentar e fugir do óbvio. Não só: quer mostrar que está antenada às tendências e, sobretudo, aberta ao novo e desconhecido: 

“Até certo ponto, não podemos ser a banda que éramos. Não saberíamos como fazer isso com qualquer autenticidade ou integridade. Porque crescemos, envelhecemos, amadurecemos e nossos gostos mudam”, destacou o frontman à rádio KFMA no ano passado.

Assim, o Bring Me The Horizon assume as consequências positivas em evoluir e transitar entre estilos, como também as negativas. Nex Gen é mais fraco do que seus antecessores e peca por uma certa falta de inspiração? Talvez sim. No entanto, a banda continua se propondo a desafios e cobrando cada vez mais de si própria e é isso que se sobressai. No fim do dia, é um ótimo álbum, de um grupo de músicos excepcionais.


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