Com backing vocals de luxo, Lana Del Rey volta suave e surpreendente em novo álbum

O nono álbum da artista que há mais de uma década vem entregando registros emocionantes e impactantes na cultura pop finalmente está entre nós. Did you know that there’s a tunner under Ocean Blvd de Lana Del Rey segue os passos de seus trabalhos antecessores, mas ainda com mais momentos supreendentes.

A figura de Lana Del Rey é certamente uma das mais controversas que surgiram na indústria nos últimos anos, e seu novo álbum pode ser o melhor retrato disso. Na mesma pegada do Chemtrails Over the Country Club (2021) e do Blue Banisters (2021), a maioria das faixas do seu novo registro são focadas em criar melodias com base no piano enquanto Lana filosofa sobre a vida. O que não esperávamos era que o disco também teria um lado que flertasse mais com o hip-hop e trap, enquanto exalta a persona de Del Rey do início da carreira que muitos julgavam como problemática.

Com a voz polida de sempre e agora com letras mais aprimoradas (o que era difícil, mas é verdade), Lana reúne lembranças e reflexões sobre laços familiares, morte e renascimento em grande parte do novo álbum. As duas faixas de abertura têm fortes cargas de nostalgia na parte lírica, em que a cantora se mostra apavorada de algum dia cair no esquecimento dos outros enquanto é envolvida por coros poderosos.

Na sequência, “Sweet” revela alguns pensamentos filosóficos de Lana, como o surgimento da vida, e ainda dá brecha para pensarmos no ponto de vista religioso. Não seria a primeira vez que o assunto chegou ao álbum, já que em “The Grants” ela mesma segue o conselho de seu pastor em priorizar as memórias. Até aí tudo bem, o álbum vinha criando a mesma atmosfera dos dois últimos. O problema está em “Judah Smith Interlude”, que está mais para uma pregação do famoso pastor de celebridades que habitam em Los Angeles. É maçante e desnecessário, ainda mais após “A&W” (que deixei propositalmente para discorrer mais tarde).

O gosto ruim do sermão que ninguém pediu consegue sair da lembrança com a ótima melodia de “Candy Necklace”, que conta com a participação ótima, porém muito efêmera, de Jon Batiste ao final da faixa. Mesmo assim, é capaz de dar muito drama à música. No entanto, voltamos a nos cansar logo em seguida através da “Jon Batiste Interlude”. Não chega a ser tão entediante quanto a interlude anterior, porém, neste ponto do álbum, outra faixa que não nos leva a lugar algum não contribuiu para o álbum como um todo.


Talvez seja por conta de duas interludes longas e densas que a próxima sequência já começou no negativo. “Kintsugi” e “Fingertips” são pouco estimulantes. Bonitinhas, mas nada demais. Enquanto uma usa como metáfora a filosofia japonesa para discorrer sobre processos de cura e recomeço, a outra é uma música tão autobiográfica que a única pessoa que deve ter gostado mesmo é a própria Lana Del Rey.

Aos corajosos que resistiram ao mar de monotonia e melancolia (para não dizer chatice), enfim chega a recompensa. “Paris, Texas” é uma daquelas músicas para mergulhar de cabeça, encorajando os seus ouvintes a se perder até encontrar o seu lugar no mundo. Voz, poesia e melodia se casam perfeitamente aqui, fazendo o álbum reerguer da ruína que as cinco últimas músicas deixaram. A continuidade, com “Grandfather please stand on the shoulders of my father while he’s deep-sea fishing” (sim, esse é o nome da música), traz outro grande momento para simplesmente apreciar a música de olhos fechados e permitir-se imaginar todos os cenários que essa mistura quase espacial entre voz e piano podem te levar.

Ainda com fôlego para grandes momentos, “Let the Light In” nos dá o que o álbum tem de melhor. A relação simbiótica que a voz de Del Rey tem com a de Father John Misty é de espantar. Chega a parecer que os dois nasceram para cantar lado a lado. É o maior e mais emocionante momento do álbum, capaz de dar leveza, romance e contentamento com as coisas mundanas. Fazendo uma referência a “Kintsugi” e “Paris, Texas”, nessa canção fica claro que Lana está em paz após deixar a luz entrar em si e achar o seu lugar no mundo. A paz é tanta que ainda sobrou criatividade para dar de presente ao seu amigo e produtor Jack Antonoff a romântica “Margaret”, retratando a relação dele com sua noiva e nos convidando a nos apaixonar junto ao casal.

O álbum poderia ter acabado por aqui e seria só mais um na discografia de Lana Del Rey, assim como Chemtrails Over the Country Club e Blue Banisters. Poderia, mas não é. Lana foi além e nos trouxe um pouco da sua antiga e polêmica persona do início da carreira. “A&W” ficou isolada no início do álbum mas é irmã das outras músicas que ainda estão por vir. Na verdade, dentre elas, essa é a que mais engana.

O começo até pode ser sútil, mas a composição não deixa enganar. Estamos falando de uma Lana Del Rey que se relaciona por se relacionar, sem o mero sentimento ou vínculo, que acredita ser invisível aos olhos de todos. Na segunda metade, a melodia muda de rumo, temos flertes com trap e fica claro que ela está se envolvendo com alguém que só dá certo por estar rodeada de drogas – e isso que, para ela, é o que a faz ser a “puta americana”.

Retomando o curso do álbum, já na sua parte final, “Fishtail” e “Peppers” são faixas em que a voz dela está mais modulada, menos límpida, dando a impressão de que substâncias estão surtindo efeito em seu corpo, enquanto narra uma relação de submissão. Ela sabe que é constantemente deixada para baixo pelo seu parceiro, mas como é loucamente apaixonada, o deixa fazer com ela o que e como bem entender.

No entanto, é inegável que apesar de ter melhores momentos, Lana deixou a cereja do bolo para o final. “Taco Truck X VB” é uma faixa que, de início é somente sedutora, mas nada que já não foi visto em outras músicas no Ultraviolence (2014). O plot twist que ninguém esperava era que o VB do título se referia a “Venice Bitch”, uma das maiores fan favorites da carreira, tirada do seu trabalho mais aclamado até hoje, Norman Fucking Rockwell!(2019). Trechos de “Venice Bitch” começam sutilmente, mas tomam conta de toda a música e dá uma sensação refrescante de nostalgia combinada com batidinhas que a levam para um caminho mais trap. E assim, com essa auto referência inenarrável, encerra-se o álbum.

Apesar de estar longe de ter a pretensão de produções megalomaníacas, Did you know that there’s a tunner under Ocean Blvd tem um resultado excelente e polido nesse quesito. Em relação aos dois últimos, que podemos dizer que caminham no mesmo universo, estamos falando do mais ousado. Poderia ter cortado umas 4 faixas para fazer a experiência de escutá-lo se uma vez só menos maçante? Com certeza. Afinal, uma única escutada nele são 77 minutos. Olhando para o futuro, a dúvida que fica é uma só: estaria Lana Del Rey prestes a mudar radicalmente novamente ao flertar com o início da sua carreira? Respostas que somente o seu décimo álbum de estúdio poderá responder.

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